6ª Carta
Paciente amigo,
Meses se passaram desde que li pela primeira vez seus
últimos versos. A verdade é que por muito tempo estive estagnado em meio à
correria do mundo. Estive perdido junto ao comodismo que tanto necessitava.
Confesso que ainda hoje não consigo, da forma que gostaria, discutir sobre a
superficialidade de tal sentimento. Por isso, hoje faço de minhas palavras, o
concreto do pouco que me cabe sobre o amor que sinto (ou que um dia senti).
Usarei das palavras de Simone Beauvoir, ao referir-se à
separação de Sartre, para dar inicio ao vazio que me cabe. “Sua morte nos
separa. Minha morte não nos reunirá. Assim é: já é belo que nossas vidas tenham
podido harmonizar-se por tanto tempo.” Talvez o avesso do que realmente é, mas
o ínfimo do que na verdade entendo por amor.
Quando vivido intensamente, o amor deixa na alma, marcas
dilacerantes. Por mais que possa ser questionada, ou até mesmo dimensionada, a
reminiscência de situações passadas torna aqueles momentos vividos no presente,
inócuos e desprovidos de significação. E o amor, amor que tudo supera,
transforma-se em restos que insistem em se expressar através de lágrimas. O que
antes era vivo e tão completo transforma-se em vazio. O significado se perde em
meio à tanta angústia que busca um simples “por que” de tanta dor.
Amor, sublime forma de inspiração dos apaixonados que, sob
sua magia já erigiu os mais lindos cantos e elegias de dor. Se o amor carece de
uma conceituação mais precisa quanto ao seu significado, a inspiração dos poetas
converge no sentido de torná-lo dor d’alma diante das imensas definições que o
mesmo possa ter.
Mas como disse, foi do lado avesso que dei inicio ao enorme
vazio que me cabe. Sua ausência nos sufoca, e seu excesso nos ilude. Por tal
motivo tive tanta dificuldade em escrever. O amor que empresta significado às nossas
vidas me esteve por muito tempo oculto. “Tive a sensação de cair num abismo
infinito e de que não iria ver a superfície outra vez, pelo menos não do mesmo
modo”. Foi então que por meio da simplicidade encontrei o que tanto buscava.
Foi através da simplicidade que descobri no sorriso de uma
criança, um olhar de esperança. Amor é o trem que parte rumo ao desconhecido,
levando sonhos e ilusões daqueles que ficam e daqueles que se vão. É o nada e o
tudo, mas nunca o fim, sempre o princípio.
“Assim é: já é belo que nossas vidas tenham podido
harmonizar-se por tanto tempo.” E por tanto tempo a esperança que reside em um
novo olhar. Não mais irei ver a superfície,
“pelo menos não do mesmo modo”. Isso porque hoje, o amor que vivo, se aproxima
mais do que defino por amizade. Eis a amizade, suporte de meu mundo.
Por fim concluo sobre o amor que vivo. Sentimento que torna
dócil e meigo o próprio ódio: nada, nem ser existente, resiste ao encanto de
sua fragrância e magia. E como sentimento, sentimento capaz de dar forma ao
abstrato, é a própria esperança, capaz de escorraçar o ódio dos corações
humanos.
Peço perdão pela espera, e sobre a mesma, aguardo suas próximas palavras.
Seu grande amigo.
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