sábado, 22 de setembro de 2012

Jean-Paul Sartre e Simone Du Beouvoir



Nunca seríamos estranhos um ao outro, nunca um de nós apelaria ao outro em vão, e nada prevaleceria sobre essa aliança; mas era preciso que não degenerasse em constrangimento, em hábito; devíamos preservá-la por todos os meios desse apodrecimento. Aquiesci.
(...)
De um modo mais geral, sabia que nenhuma desgraça vinda da parte dele me ocorreria, a não ser que morresse antes de mim.
(...)
Quanto às liberdades que nos tínhamos teoricamente concedido, não se tratava em absoluto de usá-las; entendíamos entregar-nos sem reticência e sem partilha à novidade de nossa história. Fizemos outro pacto: não somente nenhum de nós nunca mentiria ao outro, como também não lhe esconderia nada.
(...)
Enfim, nenhuma máxima atemporal impõe a todos os casais uma perfeita translucidez: cabe aos interessados decidirem que gênero de acordo desejam atingir; não têm nem direitos nem deveres a priori. Na minha adolescência, eu afirmava o contrário: inclinava-me demasiado a pensar que o que valia para mim valia para todos.
Hoje, em compensação, irrito-me quando terceiros aprovam ou censuram as relações que estabelecemos, sem levar em conta a particularidade que as explica ou justifica: esses sinais gêmeos em nossas frontes. A fraternidade que soldou nossas vidas tornava supérfluos e irrisórios todos os laços que teríamos podido forjar. Para que, por exemplo, morarmos sob o mesmo teto se o mundo era nossa propriedade comum? E por que recear distâncias entre nós que nunca poderiam nos separar?

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

O destino das ausências

 
 

 
 
"Não há cuidado humano que seja capaz de nos privar do desabrido da existência. A alma, mesmo quando alegrada nos rodopios interminentes da vida, ou abraçada pelos que dela se enamoram, sabe-se misteriosamente solitária. É a precariedade da condição humana, o limite original que nos expõe ao desacontecimento, degredo que nos faz provar o crepúsculo das horas, o derradeiro grito, o que nunca se escuta acompanhado. Eu andei pelos subterrâneos do mundo. Ousei ver de perto o desconforto dos que não negligenciaram o assombro dos bréus. Deite a toalha branca sobre a mesa. A literária está posta. Estas palavras são filhas das saudades."
 
 
 
                                                                                (Orfandades - O destino das ausências)

sexta-feira, 1 de junho de 2012

O peso que a gente leva...





Olho ao meu redor e descubro que as coisas que quero levar não podem ser levadas. Excedem aos tamanhos permitidos. Já imaginou chegar ao aeroporto carregando o colchão para ser despachado?
  As perguntas são muitas... E se eu tiver vontade de ouvir aquela música? E o filme que costumo ver de vez em quando, como se fosse a primeira vez?
Desisto. Jogo o que posso no espaço delimitado para minha partida e vou. Vez em quando me recordo de alguma coisa esquecida, ou então, inevitavelmente concluo que mais da metade do que levei não me serviu pra nada.
É nessa hora que descubro que partir é experiência inevitável de sofrer ausências. E nisso mora o encanto da viagem. Viajar é descobrir o mundo que não temos. É o tempo de sofrer a ausência que nos ajuda a mensurar o valor do mundo que nos pertence.
E então descobrimos o motivo que levou o poeta cantar: “Bom é partir. Bom mesmo é poder voltar!” Ele tinha razão. A partida nos abre os olhos para o que deixamos. A distância nos permite mensurar os espaços deixados. Por isso, partidas e chegadas são instrumentos que nos indicam quem somos, o que amamos e o que é essencial para que a gente continue sendo. Ao ver o mundo que não é meu, eu me reencontro com desejo de amar ainda mais o meu território. É conseqüência natural que faz o coração querer voltar ao ponto inicial, ao lugar onde tudo começou.
É como se a voz identificasse a raiz do grito, o elemento primeiro.
Vida e viagens seguem as mesmas regras. Os excessos nos pesam e nos retiram a vontade de viver. Por isso é tão necessário partir. Sair na direção das realidades que nos ausentam. Lugares e pessoas que não pertencem ao contexto de nossas lamúrias... Hospitais, asilos, internatos...
Ver o sofrimento de perto, tocar na ferida que não dói na nossa carne, mas que de alguma maneira pode nos humanizar.
Andar na direção do outro é também fazer uma viagem. Mas não leve muita coisa. Não tenha medo das ausências que sentirá. Ao adentrar o território alheio, quem sabe assim os seus olhos se abram para enxergar de um jeito novo o território que é seu. Não leve os seus pesos. Eles não lhe permitirão encontrar o outro. Viaje leve, leve, bem leve. Mas se leve.

                                                                               (Pe. Fábio de Melo)

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Alice





Alice:  E quanto tempo dura o que julgamos ser eterno?
Coelho:  As vezes, apenas um segundo.

                                                                                         (Alice no País das Maravilhas)

sexta-feira, 11 de maio de 2012

O Desconcerto que Concerta





Odiar é também uma forma de amar. Diferente, mas é. É que o coração humano nem sempre consegue identificar o sentimento que o move. É claro que existem situações em que o ódio é ódio mesmo, mas, em outras, não.

Você já deve ter experimentado isso que estou dizendo. Sobretudo no momento em que foi traído, enganado e até mesmo abandonado. O sentimento foi de revolta e, nela, o amor muda de cor, configura-se diferente. É a mesma coisa que acontece com os animais que se camuflam para sobreviverem às ameaças dos inimigos. O camaleão é sempre camaleão, mesmo que não possamos identificá-lo no seu disfarce. Da mesma forma fazemos nós.

Quando temos o nosso amor traído, ameaçado pelo descaso do outro, nós nos revestimos de ódio e ressentimentos. Mas a fonte é sempre o amor. Ele é o referencial de onde parte a nossa reação. Nem sempre temos coragem de assumir isso. A traição nos trava para a misericórdia. E, então, sentimos necessidade de devolver a ofensa com a mesma moeda.

Por isso, dizemos que odiamos. Mas só o dizemos, porque o que nos falta é coragem para dizer que amamos.

Camuflados e infelizes.

Camuflar é o recurso que usamos com o objetivo de nos justificarmos diante dos outros. É uma forma que temos de nos sentir menos humilhados. Não raras vezes, dizer que temos ódio é uma maneira de tentar dar a volta por cima. Estranho isso, mas acontece.

Talvez seja por isso que as pessoas andam tão distantes dos seus verdadeiros sentimentos. Tememos a fraqueza. Tememos que o outro nos flagre no sofrimento que a gratuidade do amor nos trouxe. Preferimos assumir uma postura marcada pela agressividade a outra que nos mostrasse em nossa fragilidade.

Nos dias de hoje, cada vez mais, acentua-se a necessidade de ser forte. Mas não há uma fórmula mágica que nos faça chegar à força sem que antes tenhamos provado a fraqueza. E amar é experimentar a fraqueza. É provar o doloroso campo da necessidade, da carência e da fragilidade.

Amar é uma forma de depender, de carecer e de implorar. É uma forma de preenchimento de lacunas, visto que o amor é a melhor forma de complementar os espaços.

Admirável desconcerto.

Quem ama sabe disso. Quem é amado, também. A gratuidade do amor consiste nisso. Amar quando o outro não merece ser amado. Surpresa maior não há. Ser abraçado no momento em que sabemos não merecer ser perdoados. O amor verdadeiro desconcerta. O perdão e a reconciliação são a prova disso. Somente depois de dizermos infinitas vezes "Eu te perdôo" , é que temos o direito de dizer "Eu te amo". Porque, antes do perdão, o que existe é admiração. Esse último sentimento não é o mesmo que amar. Só amamos aqueles a quem perdoamos. E, geralmente, só odiamos aos que amamos, caso contrário seríamos indiferentes.

Pena que tem sido cada vez mais difícil declarar amor no momento em que o outro não merece. Não temos coragem de tomar essa atitude, porque ela é chamada de fraqueza, coração mole. E, por medo de sermos vistos assim, camuflamos o amor com as roupas do ódio.

Perdemos a oportunidade de atualizar a gratuidade do amor de Deus na precariedade do amor humano e de surpreender o outro com nosso gesto já transformado pela graça divina.

Na sua vida, não tenha medo de ser fraco, já que a fraqueza representa capacidade de amar. Quando o outro, pelas mais diversas razões esperar pelo seu ódio, surpreenda-o com o seu amor.

Desconcerte-o e, assim, você ajudará a consertar o mundo.


                                                                                                          (Pe. Fábio de Melo)




terça-feira, 8 de maio de 2012

Sentido





Uso de palavras. Empresto sentido. E das palavras me permito ser informal. Por poucos segundos. Por poucas palavras. A formalidade me sujeita aos adjetivos. Prefiro me sujeitar aos verbos, ações de ínfima importância, mas de imensurável significado.


E aos poucos faço das palavras, lembranças. Não mais que isso. Não tão necessário quanto viver. Relembrar nos faz reconhecer o quanto vazio éramos. Ou o contrario, o quanto poderíamos ser.


Incerteza que parte do medo. E por medo nos privamos de nossas maiores lembranças. Restará o dia em que somente nossas memórias alimentarão nosso desejo de viver. Por hora, faço de meu anseio pela vida, páginas de minhas lembranças. As escrevo sem pressa. É com cautela que redescubro a beleza de um vazio, presente do passado.


Por poucas palavras, volto a dizer. Não há formalidades para os sentidos. Por pouco tempo, insisto em repetir. Segundos podem durar eternidades. Prefiro me sujeitar aos verbos, e desses, me preencho com aquele cuja ação parte de um ínfimo adjetivo, simplicidade.



                                                                                                                            Hiago Martins

Quando Nietzsche chorou





"Alguns não conseguem afrouxar suas próprias cadeias e, não obstante, conseguem libertar seus amigos.
Você tem que estar preparado para se queimar em sua própria chama: como se renovar sem primeiro se tornar cinzas?"



(Assim falou Zaratustra)